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Abr19
AMADEU BAPTISTA - "MANTENHO A FAXINA DE ESCREVENTE"
Mantenho a faxina de escrevente
Sem grandes arroubos à musa
Porque ainda não lavei os pratos de ontem
E no estendal a roupa não secou.
Talvez seja este um modo de dizer
Como estou farto das tretas que me enredam
Ainda que enquanto o tractor vai e vem
As costas folguem das coimas da maldade.
‘A bactéria que destrói as oliveiras chegou
A Portugal’ – e isto é que me dana,
Entre a dose diária de hidromel
E a vespa asiática que me coube em sorte.
O país lá segue na adulação de sempre,
A deixar os criminosos de colarinho branco
À solta nos spas e outras recorrências
De espantar pardais e de manter fortunas.
Fizesse eu investimentos de outra ordem
E não veria como vejo o caracol
A subir e a descer os andaimes que me sitiam
E dão à casa este ar de lúgubre desgraça.
O mais é a musa que me tarda e a tarde parda
Imune aos meus desejos, que fosse Ítaca
Ali já ao virar da esquina, ou pudessem voltar
Os teus beijos fecundos aos meus lábios.