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Jun18
EDUARDO QUINA - [CONTRA MUNDUM]
«a memória é o degrau em que a morte hesita»
José Rui Teixeira
a construção da infância ou
a sinuosidade litúrgica do silêncio:
os odores disformes na recôndita luz
distendida sobre o tédio da noite.
perscrutávamos o real demoníaco das mulheres
para podermos compreender o tumulto
das suas sombras: teciam, de joelhos, deus e a morte
esvaziando o medo e a memória no inútil exercício da poesia.
nada sabíamos sobre o mistério da salvação:
o deus em que depositáramos uma parte do corpo
nada sabia de almas.
os corpos cresciam amedrontados:
agónicos, dentro da luz.
a fé abria-se à solidão
e os imponderáveis anjos ou
outros subalternos artefactos do divino
guardavam-nos os segredos.
éramos inacessíveis:
elegantes seres à semelhança de outras imagens sem rosto.
fingíamos o empenho nas artes do assombro
para nomear o metálico som do temor
que dissecava as palavras do anjo de mármore.
éramos um incêndio à espera de um milagre
em que exorcizássemos o diáfano corpo inconfessável.
vinculávamos as ilusões através do sangue hesitante,
intranquilo, da nossa finitude contra o inferno e a sua decifração.
éramos inverosímeis na nossa crueldade cintilante.
ampliávamos o silêncio até adormecermos
na cobarde obsessão pelo sangue ou
o extermínio pela inocência.
[ao José Rui Teixeira]