07
Mar20
MARIA BRÁS FERREIRA - DAS SAIAS DAS MINHOTAS
Parto
Vou sair.
Deixei-me enlouquecer para melhor sair.
Atravessar a porta de casa certa de tudo
como os loucos.
Tenho tudo calculado:
Deixo a cama feita para o que vier,
as almofadas dispostas no sofá como a mãe gosta,
a cadela passeou na rua as vezes necessárias para ser uma cadela
feliz,
tirei o peixe do congelador para que os outros degustassem
a pescada cozida à noite.
Segui as receitas com todos os preceitos,
dentro do meu melhor traje.
A mando.
Os Loucos estão tão certos
quanto os Outros servidos.
Já pensei como sair:
Atravessarei a porta com a saia que alguém
algum dia me ofereceu, por cabal algum motivo,
e que eu achei que fosse a predilecta.
No sopé das pernas o último folho da primeira série
de costura esvoaçará como as saias coloridas das Minhotas.
Executar-se-á o bailado,
primaveril a prática da indecisão.
Sairei. os loucos para dentro saem sempre.
Todo momento estive certa
louca de pertencer:
Fui ficando. Não saí, nunca pertenci.
Fiquei, saindo cimentada no sofá.
Não tenho mais medidas a tirar.
Esgotei os números,
as ferramentas de computação.
Esgotei o artefacto de minha própria loucura
e por isso,
vou sair:
Lá fora nada se calcula e a loucura é o
compasso tombado de dentro das saias das mulheres
que os homens espreitam como quem vela a própria morte.
Lá fora não se calcula nada pois as mãos a medir seriam
infinitas.
A loucura é sã nas ruas por
não haver tantas pernas viajantes como pernas desejadas, e
o mundo é só o terraço
e não há ninguém que não desfrute um terraço,
mesmo sabendo que dali só se alcançam naturezas-mortas.
O sol bate. Tudo é rentável. A boca bêbeda crê nos pingos em falta.
Pulsão mesurada nas ruas,
preventivo meu regresso
à solidão.
Para dentro. vou sair.
O sol amortece a expressão.
O calor lembra só o frio que passou.