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Dez19
MARIA JOÃO CANTINHO - DA VISÃO EM FILIGRANA
Desdobra-se o nojo, o sangue, a vida
que se celebra no avesso da noite,
o olhar acossado no nada, esta raiva
uma bomba prestes a detonar
na flor maldita de um silêncio esventrado.
Porque passas tu sem ver
as sombras e o escuro incêndio da folhagem
o cheiro e o dia, onde tudo te entorpece
as rugas antigas de um muro
onde sentiste que as palavras
te tinham abandonado em definitivo.
Para que nos serve a língua, o coração
em salmo adiado, se a linguagem nos abandonou
e nos sentámos na grande pedra
a olhar o vazio, a decifrar modos de sentido
que nos traem, sempre, fugindo na sombra dos dias.
É esta pobreza, a nossa, a tua, a que nos faz voar
ao encontro das árvores e do céu.