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Nov18
ANA MORAVI E MARCELO ARIEL - PRIMEIRA CLASSE - VAGAS
primeira classe
vagas
era uma longa caminhada até a borda
a vontade de chance, os abismos
as bolhas e cortes nos pés ardiam
como galhos afundando
ela sabia que nunca iriam voltar
no medo do pensamento do oceano
o blood money no black market
a água do olhar da árvore
só tinha a garantia da partida
os muros se estendiam num traço
infinitesimal
entre desertos e os avessos de sal
a respiração de deuses extintos
o quê senão um crescente desespero
a alga cobrindo o automóvel
seria razão pra abandonar o passado
a travessia vagava a promessa
a ressurreição da imaginação
para quem saisse vivo dela
criando uma porta aberta
de outro sabor além da poeira
dentro do orvalho
outros cheiros que não o gás
das imagens
outros sons não mais sirenes, bombas e gritos
como peixes
olhava perplexa para aqueles corpos
soterrados no ar
lembrando outros mortos pelo caminho
duplicado pela névoa
dissimulou a fé pela vida em jogo
pela feroz suavidade de raios
queimando segredos na fronteira
redesenhada pelo sangue
dividiu a fome com a cigana de kosovo
estelar, cosmogônica
e sentiu a mesma sede dos lábios somalis
oceânicos
a esperança era um bote sem salva vidas
de sal
consumindo o mesmo combustível inflamável
de nuvem
de ganância, fanatismo e xenofobia
estridentes
quando o malinês desmaiou de fome
como o silencio movido pelo vento
o jogaram para fora do barco
como este peixe enorme
para fora de si e do mundo
se debatendo
ela se beliscou para não dormir
desesperadamente
lembrou do traficante de pessoas
evocando a raiva da vaga
que cuspiu no último a subir
cada vez mais alta
como uma especie de despedida
chamando
a lua que alterava as marés
a amizade
não minguava os perigos que via
inominável
uma tormenta de ondas fortes
da flor
verteu o bote lentamente
indestrutível
a criança sozinha no convés
de cristal
não sabia onde se segurar
solar
e junto com outras centenas
congelado
se debateu até o limite
ninguém ouviu a canção de ninar
dentro de uma baleia
do menino deitado na areia
invisivel como sonhos
o mar agora estava calmo
após o despertar
não é doce morrer no mar