25
Mar20
JOÃO MORGADO - DE JOELHOS
Ainda estou de joelhos, não vejo o céu.
Deixa-me erguer as pernas, desdobrar as asas.
Deixa-me tirar o peso que tenho nos ombros,
das doenças, das mortes, das cruzes, das infidelidades do mundo.
Deixa-me sacudir o corpo para afastar os abutres
e apartar o suor do medo.
Ainda estou de joelhos. Não. Daqui não se vê o céu.
É tanto o que me verga que não consigo levantar a cabeça.
Cabisbaixo ninguém vê o céu, nem o sonho sequer.
Os pássaros não poisam em árvores vergadas.
Tenho que aproveitar este olhar térreo
para redescobrir a minha raiz, o meu chão.
As forças chegarão depois. Quando o teu clamor se fizer sentir.
Ainda estou de joelhos. Não. Daqui não se vê o céu.
Mas já se vê a tua mão.
Oiço o teu grito: não desistas, estou contigo.
Deixa-me desdobrar as asas, chamar os pássaros.
Já te sigo.
João Morgado, 2020