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Jun20
MÔNICA DE AQUINO - "VOCÊ SE DEITA NO SOFÁ..."
Você se deita no sofá com camisa e calça de brim.
Visto apenas camiseta e calcinha. Como sempre. Vamos ver um filme.
Você está sempre pronto para sair.
Eu troco a roupa no último minuto, gosto de estar à vontade em casa.
Quando precisamos de pão, ou de algo da farmácia, geralmente você vai.
E reclama que eu não gosto de fazer compras. Você não gosta de listas.
Desde que me casei, multiplicaram-se as listas:
areia para as gatas, ração, leite para a bebê, todos os grupos de alimentos para o almoço
e o jantar da bebê, pomada para a bebê, fraldas para a bebê, etc. etc.
Listas para poemas:
- você com calça de brim no sofá
- você que me pede para fazer uma lista de filmes
- comparar as minhas duas novas cicatrizes
- as fotos que recebo no celular com a legenda Olhares
- a filha que quer brincar com as tomadas.
Falta de tempo para escrever os poemas que estão na lista de ideias para poemas.
Falta de tempo para rever a lista.
Antes, você ficava com sapatos em casa. Agora fica de meias e chinelos.
Uma concessão que faz para mim. Não gosto de sapatos dentro de casa.
Você mistura o dentro e o fora. Tento separar: a rua vem até aqui.
Tento pensar o que isso quer dizer de você e de mim.
Você reclama que faço poucas concessões.
Penso no significado jurídico de concessão:
explorar uma atividade, assumir riscos, prestar contas.
Tento pensar numa lista de concessões.
Mas me desvio na exploração das águas, da energia elétrica, do subsolo,
o casamento como um Estado delegando os seus serviços.
Não gosto de dormir vestida, mesmo no frio.
Você aprendeu esse hábito dormindo comigo.
Acho que as minhas concessões são assim,
não como 'tirar a roupa no frio', quero dizer: como um novo hábito.
Mas há algo de choque, então: posso combinar as metáforas.
Já é inverno. Mesmo assim, continuo de calcinha e camiseta.
Não gosto de sentir frio.
Gosto menos de estar sempre pronta para a farmácia ou o supermercado,
preciso de um pijama quente, saio e compro coisas para a nossa filha,
me desvio, posso chamar de concessão o que é puro amor?
Ontem perguntei porque você estava se arrumando às 7 horas da manhã.
'Porque vou sair depois do almoço e é mais fácil já estar pronto', você respondeu,
enquanto servia o café que eu fiz.
Fazer café todo dia para nós é talvez concessão, ou amor,
ou talvez o casamento seja também como uma lista em sobreposição:
opostos são sinônimos, atravessados; o que antes eu só sabia fazer num poema.
Penso no que tudo isso quer dizer de você e de mim.