20
Mar19
ÁLVARO ALVES DE FARIA - 37 ANOS
Devia ter-me matado aos 37 anos.
De lá para cá pouca coisa aconteceu
que mereça sem lembrada.
Tirei algumas fotografias,
fiz algumas viagens imaginárias,
amei mulheres tristes
e comprei dois relógios antigos.
Fiz mal
em não ter-me matado aos 37 anos.
De lá par cá
as coisas se repetiram
com a freqüência de sempre.
Tive dois punhais
e uma espada japonesa.
Devia ter-me matado aos 37 anos.
De lá para cá só aconteceram
ausências e distâncias,
como um vaso que se quebra,
uma jarra de reminiscências
que não sei recordar.
Escrevi alguns poemas
que depois esqueci em algum lugar.
Devia mesmo ter-me matado aos 37 anos,
ao abrir a janela
para a que seria minha última manhã.
Talvez um tiro no coração,
para não ferir o rosto.
Talvez uma xícara de veneno
que me fizesse adormecer.
Fiz muito mal a mim mesmo
em não matar-me aos 37 anos.
Não veria as coisas inúteis que vi
nem teria rezado tanto para salvar minha alma.
Dela, nada sei
e ela nada sabe de mim.
Também não teria inventado
tantas histórias para viver
esse tempo que afinal
passou sem que eu percebesse.
Não teria sangrado tanto
se tivesse me matado aos 37 anos.
Peço desculpas aos amigos
e aos três anjos que hoje vivem comigo
e comigo falam em silêncio
no meio das noites e dos temporais.
Devia ter-me matado aos 37 anos.
De lá para cá
foram anos que não contei,
só andei perdido de mim
como se não existisse mais.