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GAZETA DE POESIA INÉDITA

Espaço dedicado à divulgação de poesia original e inédita em língua portuguesa.

GAZETA DE POESIA INÉDITA

26
Fev21

ADRIANA CRESPO - EXPLIQUEM-ME SÓ


Afinal, entre o esplendor

e a crueldade, onde ficamos?
Onde fica Jesus
e a natureza
com as cores sublimes,
as cores sublimes e esplendorosas
do mar, das searas douradas e das nuvens
que correm por todo o céu?
A natureza
com o riso cómico de Deus,
Deus que ri no cavalo marinho
e no olho torto
do camaleão - nada mais certo.
Deus que ri por todo o lado,
por todo o lado
ai Deus que não conseguimos imaginar
mas de quem compomos um riso de ternura
no koala e outro de escárnio
na hiena e outro de elegância e spleen -
no flamingo.
Expliquem-me só isto,
talvez uma pequena coisa,
uma coisa de nada, uma coisa que talvez
seja uma mera insignificância
e que talvez nem valha
um caracol
se é que o valor
se mede em seres animados.
Esta bela natureza com os animais
que se comem uns aos outros
rasgando a carne.
A natureza com milhões de vírus e bactérias
e solenes doenças e mortes trucidantes.
A natureza com a decomposição
dos corpos que até podem
resultar em rosas de vez em quando
ou por acaso. A natureza
com a beleza estonteante
que nos deixa bêbados de esplendor.
A natureza com a luz de Turner
e os penhascos
de Caspar David Friedrich.
A natureza divina
e muda de Tarkovski.
A natureza
com o sofrimento infinito,
o sofrimento infinito, infinito
dos loucos, dos miseráveis e das mães
que amam perdidamente os filhos.
Sofrimento de quem morre
com falta de ar ou de justiça ou de amor
e dos outros que se sentem
tão infinitamente sós
como o mais solitário
de todos os elementos cósmicos -
os abandonados de Deus.
A natureza tão estranha
onde aterramos sem aviso,
como desconhecidos
como estrangeiros
como desterrados e condenados
e onde temos tanta dificuldade
em perceber qualquer coisa.
Não percebemos
nada de nada.
Deambulamos
entre o fascínio
e o pavor - na natureza.
Nós, quase à beira da loucura
à espera da hora da nossa morte -
com uma certa elegância
ou sem elegância nenhuma,
apenas com as nossas lágrimas
que já secaram na alma
antes de chegarem ao rosto.
Estou tão longe, tão longe...
cada vez mais:
sofro de misantropia.
Dói-me a garganta, muito.
E o peito, já não o suporto.
É possível que doa assim tanto
a angústia?
A hora - onde está?
A hora não chega.
Estou cansado.
O pó da morte até me parece
uma coisa agradável.



Poema de Orlando I, de um livro que está no prelo:
"Saiba porque é que os extraterrestres não nos contactam."

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