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Dez20
ALBERTO PEREIRA - [SEM TÍTULO]
Tenho uma idade já sem falanges. Lâmpadas tensas.
O verde com as tochas enlouquecidas.
Mesmo centrifugando inundações,
o pensamento só frequenta árvores sem pulso.
É carnívora a cidade. A arquitectura daltónica.
Os homens, laborioso ninho de vírgulas
na seara do capitalismo.
Talvez Beckett tenha lido este lugar:
o hábito é o balastro que prende o cão ao seu vómito.
A rotina, sono extremo
onde se perdem as rédeas às máscaras.
Acreditámos que a boca
iria pedalar Whitman perpetuamente.
O design da infância tinha cavalos nos músculos
e os tendões voavam o corpo para a amplitude.
Uma corça orava ao sigilo
e, se o bosque tremia algum rumor,
deslocava-se ao ritmo do divórcio no século XXI.
Às vezes, choviam uivos sobre o vale.
O som municiado pela alcateia,
arma denunciando a crónica do animal humano.
A minha mãe dizia: não temas o lobo
porque quem te vai cercar é a sedução.
A filosofia do estrépito
esquece a pontualidade da faca.
É no cume
que o gelo forja
as cicatrizes mais audíveis.
O amor tem sempre o sotaque da neve.