ANA LUÍSA AMARAL - O MASSACRE DOS INOCENTES
«Porquê o meu?»
e era uivo o seu grito,
um sino agudo dentro do pesadelo
Tinha-o envolto em panos coloridos,
tingidos com cuidados e dedos infinitos
antes de ele nascer,
e o sol que os embalava,
a ele, a ela,
cheirava a gume espesso
Mas ela estava acostumada ao sol,
ele é que não, tão fina a sua pele,
por isso o sustentava assim nos panos,
protegido do sol
E eles chegaram, os instrumentos
de matar nas mãos,
as emoções sem cor, enferrujadas,
que assim era preciso:
assassinar por dentro ideias como filhos
ou amor
«Porquê o meu?»
a pergunta estendeu-se, repetida, estirada como elástico
infinito, até que se partiu
Só o eco ficou, feito de sangue,
e nem aquele ainda por nascer
(entre palhas, se diz)
conseguiu responder à dor
naquele grito –