13
Jan20
ANA PAULA INÁCIO - TIRA OS DENTES DO POEMA
Talvez o dente
e a dor de o extrair
não devam entrar num poema
(ainda que assim de repente
me recorde de dois
onde vingue esse órgão:
um de Adélia Prado
outro de Ana Hatherly.
O da Adélia é podre
doente e condenado.
O de Hatherly vigoroso, afiado
bisturi na carne do conformismo
e da indiferença.)
Mas deixa-me na língua
o mesmo gosto a sangue
o mesmo travo metálico
daquela
a humilhação
e, levando a comparação a termo,
o que será que esta me extrai
e a diferenciará de uma valente dor de dentes?
O movimento.
É a resposta à primeira.
O grau à segunda.
Quanto ao carácter, tenho dúvidas
embora, de tão férrea senhora,
como a dor,
só a seriedade lhe caía bem
e dela me ria
na cara
que à socapa choro
até as lágrimas me arrancarem
a maquilhagem
com que fito o rosto.
O mesmo que a humilhação esbofeteia
como quem domesticasse um servo
e o seu mais caro cerdo violentasse.