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Jul20
ANDRI CARVÃO - A ÚNICA RIQUEZA DO BARRACO
Depois de chacoalhar
no trenzão da FEPASA
por duas horas
do centro até a quebrada,
José, com hálito de aguardente,
finalmente pegou
na tramela da porta.
Pensou ter visto
uma estrela cadente,
mas eram fogos de artifício
sinalizando a chegada
do bagulho na favela.
Foi quando ouviu o choro
e empurrou a porta.
O menino nasceu saudável
de parto normal.
A parteira só acompanhou.
Maria estava exausta,
mas muito feliz com a criança
em seus braços,
um pouco arroxeada
e lambrecada de sangue
e placenta como gel
nos cabelos ralos. Lá fora
o cachorro magro
cheio de pulgas e sarna,
latindo e balançando o rabo.
Como a porta estava entreaberta
- casa de pobre
não precisa de tranca -
eles entraram:
o pastor, a professora
e o traficante; todos os três
representantes da comunidade.
Trouxeram a palavra,
a palavra e a palavra.
Depois foram embora
prometendo voltar.
A casa humilde
de tábua e compensado,
de chão batido e móveis doados.
José e Maria
sorriram abraçados
ao Jesus Cristinho,
a única riqueza do barraco.