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GAZETA DE POESIA INÉDITA

Espaço dedicado à divulgação de poesia original e inédita em língua portuguesa.

GAZETA DE POESIA INÉDITA

24
Jan20

ANTÓNIO CARLOS CORTEZ - NATAL IDADE

                                               A David Mourão-Ferreira

Não quero perder um minuto

Desta viagem tão esquiva
Nem sequer perder de vista
Outros natais já esquecidos
Não quero perder segundos
Horas dias ou períodos
A vida é urgente e deriva
Doutras mil vidas e mundos
Quero este natal mas sem lutos
(Um natal sem lobos astutos)

Esta é a idade natal
Há mil e tal anos agora
Nesta idade sepulcral
Repetem-se os gestos embora
Hoje é já ontem e fogem
Por entre estes dias abruptos
Lembranças da nossa história
Esta é a idade e não rompem
Roucos trovões ou mil uivos
De matilhas que não morrem

Se há mil ditadores ou ditados
Desprezando a natal idade
Sejamos convictos em tudo
Entreguemos-lhes o futuro
Numa bandeja sem espadas
Este natal já é outro:
Nas crianças mais crescidas
Nos petizes que nos olham
Há movimentos e sinas
Gestos de fé e outro corpo

Nesta idade obscurecida
Por computadores que só ditam
Algoritmos e algarismos
Para as nossas arrítmias
É hora de tecer o canto
Do regresso renovado
A esse natal que foi quando
Propusemos outro pacto:
Que fosse natal p’ros que ficam
Com Jesus nesses retratos

Na tal idade é só quando
Tudo de mau está já fora
Na tal idade é ainda
Quando uma rosa nos cora
Quando o amor principia
A retomar da infância
Toda a infância mais linda
A cavalgar a memória
Em noites só com poesia
Em rosas de densa memória

Nada importa mais agora
Só este tempo que temos
Nesta idade vivemos
Entre brutos e entre feras
Entre regressos de milhafres
Nos reunimos sem esporas
Neste natal só queremos
Dentro das casas milagres
Dentro das casas ternura
Entregues à infinidade

Dum natal convertido
A um natal claro e aberto
Nesse Natal de nós todos
Em que somos outra vez novos
E estamos além do deserto
De quem nada quer sentir
Daqueles que mataram Jesus
E fizeram dele o mito
Com que crucificam a cruz
E nos crucificam a nós

Temos de novo dez anos
E somos dez milhões de sonhos
Dez mil milhões de infantes
E só trazemos connosco
A lembrança de mil outros
Que não tiveram a sorte
De ter nascido entre fogos
(do amor o fogo todo)
E procuram tão insones
Esse natal que era antes

Quando crianças vivíamos
No calor da claridade
Duma fogueira de mimos
Na intensa e enigmática
Idade dos mil segredos
A infância a adolescência
Reunidas num só jogo
Unidas num só destino
Aí nos reencontremos
Na tal idade sem jugos

Na tal idade em que fomos
Apreendendo sozinhos
Que luzes valem a pena
Que outras há no caminho
Desta vida em que tentamos
Equilibrar os dois corcéis
O branco belo e o negro
E a rosa de mil e um matizes
De mil e um capitéis
A rosa dos infelizes

A rosa não só d’hiroxima
Na tal idade sonhamos
Regressar à tal idade
Em que o natal era nosso
Inteiro íntegro intenso
E hoje nos rostos trazemos
Este natal só d’empréstimo
Em que nos arrefecemos
À luz de lâmpadas falsas
Esse natal não queremos

Não quero candelabros de cinza
Com mil e um cadafalsos
Que brotam do dia-a-dia
Que subjugam quem vive
E morre esgotado entre palcos
Com essa lembrança tão vívida
Os natais dessas províncias
Quero os presentes mais simples
Porventura os mais canhestros
Mas sempre tão verdadeiros

Nesta idade submersos
Por entre trevas e tréguas
Da guerra que nunca acaba
Saibamos descer as pálpebras
Para um pouco mais de sonho
Um pouco mais de sentido
Além deste parco horizonte
De funcionários cansados
Matando o espírito todo
Que fica por entre névoas

Que seja natal num presépio
Num bairro de áfrica ou américa
Natal em cidades trópicas
Ou na europa dos lucros
Que seja na china um lapso
Por entre os lapsos políticos
Natal em que brancos e negros
Dêem-se as mãos e unidos
Derrubam o monstro sedento
Dos juros da sua usura

Que seja natal para sempre
Num para sempre por dentro
De tudo quanto é vislumbre
De mais do que passatempo
Natal já familiar  Natal idade inspirados
Convictos de sermos humanos
E não animais domésticos
Que seja a coragem a cifra
De mil milhões de humanos
Que neste natal nos gritam

Por esse espírito do mundo
Por esse Jesus com sentido
Que nos lança o repto duro
E mais que o repto o resgate
Da nossa pobre humanidade
Que nos diz não ser já tarde
Para trazermos connosco
O lume dum lume obscuro
Para Lisboa e Paris
Para Roma Londres
Banguecoque

Ou para Pequim n’horizonte
Quem sabe se até mais ao norte
Ou no sul sidério mais pobre
Donde não se vê Nova iorque
Haver natal para todos
Na tal idade em que vamos
Procurar mais que dezembro
No fim de mais um ano






 

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