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Jan21
ANTÓNIO JACINTO PASCOAL - "TUDO O QUE VIVE CANTA"
Tudo o que vive canta,
serpenteia, abana, carrega e traz
tudo o que vive passa lá fora e faz
estremecer paredes, a matéria divide
invade os jardins, nas ruas manda
mas isso é aquilo que vive
nós cercados numa ilha
num só olhar adormecido
ciciando a aliança única que brilha
e tremula nas mãos apartadas:
o sangue que nos viaja nas veias
mudo e sozinho, o sangue vencido
sim, cercados no nosso ninho
pronto a desfazer-se, clandestino
e contudo os sinais captamos de cada um
em escassas notas musicais; pensar
nas vidas dos outros, pensamos –
há só o mistério das coisas por revelar
e então não vivemos: esperamos
como alguém não nascido
e nunca depois concluído;
adiamos, como assim determinado
e o nosso coração, unido sem fusão
sob a superfície gelada do mundo
– que não há calor que amanse –
dá-nos a impressão de sermos quase
felizes, fora do nosso alcance
e então o calendário anota e esquece
há ruídos debaixo dos nossos pés,
lembram-nos que a beleza do real
sobre cada um de nós insinua o mal
e num sorriso de mútuo acordo
confiamos para outra vida a vida que fenece.