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Dez19
ANTÓNIO MIGUEL FERREIRA - O PODER DA PRIMEIRA SEMENTE
Inaugura-se a vida subterrânea na foz dos dias contados.
Que o céu apresente as suas desculpas pelo demasiado tempo
Em que as lágrimas desaconteceram na expetativa do dilúvio.
Outrora era famosa a fertilidade desta crosta
Mas hoje prolonga-se a profundidade da entrega.
Demasiada luz nunca fez bem a ninguém!
Levante a mão quem aqui revelou esta semente!
Confie os segredos mais íntimos da infância
À fauna que se acotovela na ânsia da poda.
Na urgência do fruto os que rezarem nesta colheita
Sejam recompensados com os melhores caroços!
Que também recebam no concluir do inverno
Lenha suficiente para assegurar os crepitar das lareiras
Se o verão teimar em não cumprir os mandamentos da montanha.
No aproximar da tempestade cerrem os olhos
E prostrem-se de joelhos no socorrer dos quatro ventos.
Mordam o caule que se eleva no provar da seiva
E aprovem a clorofila das primeiras folhas.
No declinar do tronco reprimam as contrariedades da evolução!
Que dois dos mais valentes sacerdotes se abracem
E mostrem a altivez do céu ao tronco curvado.
Quem colher os primeiros frutos
Que, por fim, desenterre as raízes profundas.
E na noite mais gélida desta era não deixem de provar os deuses
Uma efusão anterior à redescoberta do fogo.
Da natureza que se despenhar neste chão
Subtraiam as sementes para o próximo renascimento.
Não será este o último grão de areia
Que ao se perder do seu mar interior,
E na casual descoberta de um rio sagrado,
Acomodado pela ansiedade das criaturas superficiais,
Se julga uma semente e constrói uma praia.