BERNARDINO GUIMARÃES - CHUVA
Trato de aprender a chuva. Conheço de cor esse momento. O prelúdio das mãos. Olhar que segue a trajectória do vidro desde o céu, da queda sem regresso até aos ombros. De tudo faço retrato. Escrevo nas poças no empedrado. Formulo um desejo: quero a certeza da chuva, a bruma revolta dos cabelos. Trato do ofício da água e da alegria breve das janelas. Desatada, a luz corta as estradas. Sei dizer sobre as nuvens, sobre as rápidas gotas que os olhos acolhem. Os espelhos lentos nas calçadas, os muros altos que prendem os braços, o bafo da manhã ácida nas pestanas. Aprendo que um só olhar condena o dia, que a chuva tudo encontra. Compreendo dissolvido essa vitória do frio e dos lagos, o canto das bátegas batendo no zinco. E o perfume do vento, anunciando, atravessando a memória. Trato de escorrer pelos postigos, atmosfera marinha e dolorosa, gota a gota, sem cor. Amanheço a ver a chuva contra o mundo.