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GAZETA DE POESIA INÉDITA

Espaço dedicado à divulgação de poesia original e inédita em língua portuguesa.

GAZETA DE POESIA INÉDITA

19
Nov19

CARLOS TEIXEIRA LUÍS - O BOSQUE ETERNO

 

O bosque, o bosque eterno, o bosque é eterno, denso, os ramos das árvores que se entrelaçam, é noite e os ramos como que dançam com as brisas imprevisíveis da noite, iluminados os ramos e as sombras dos troncos pelo luar quando não são engolidos pela densa escuridão, não se pode parar, está frio, não se pode parar, tenho o corpo gelado, os pés doridos de tanto caminhar, o corpo gelado, os pés doridos, o corpo dorido, a noite fria , os músculos saturados, não se pode parar, piso relva, terra, ramos, raízes, caminhos tortuosos e caminha-se, caminha-se sempre, a noite, a gelar, com as suas sinfonias, de ecos e de silêncios, ramos que se confundem com os caminhos, que se se transformam em braços, em confusas danças, como num filme de Tim Burton, como num poema de épico-triste de Poe, como num delírio de Dante, Oh Dante, acode-me, mas Dante não acode ninguém, Oh Virgílio guia noturno das densas trevas, por onde me levas, não és guia nenhum, o caminho, não se pode parar, o bosque é eterno, não está em causa se estou perdido, não  posso parar, se para sou engolido pelo bosque, não sei se o que piso é bosque, é caminho ou o dorso dum qualquer animal selvagem que acordará do seu sono hibernal e me devorará, o caminho, o bosque eterno, os braços rasgados pelos espinhos dos ramos, o bosque nunca termina, como a noite, nunca tem fim, o caminho não tem fim, não sei se sigo alguma vereda, algum atalho denso, compacto com a escuridão, apenas prossigo, passos lentos, passos rápidos, corro, abrando com o cansaço, nunca paro, sei que se parar serei devorado por estranhos insetos, estranhas aranhas, negras e brilhantes, com cabeças humanas, cristas punk, estranhas aranhas em rosa sangue punk, obscuros louva-a-deus que derramam peçonha sobre as suas vitimas, para as devorar, apenas por sobrevivência, por instinto, pela lei silenciosa da selva, ou devoras ou és devorado, parar aqui é ser presa, não sei se consigo enfrentar a noite escura lutando, lutando, lutando pela vida, sem parar, sem pensar, sou o caminhante deste bosque eterno, não vou parar, não vou parar, sem pensar, apenas continuar, andar, sou o caminhante deste bosque eterno, não vou parar, não sei como se para, na noite escura, não vejo nada, sinto só a vegetação a rasgar-me a pele, a atravessar o tecido da camisola, a entrar na pele suada, a misturar-se com o meu sangue, densa a noite, ritmada com a minha respiração, como um poema ganzado de Ginsberg, como um salmo bíblico, como um sufoco de alma de Jó, como um lamento, noite, noite, não se pode parar, como a mão do escritor ligada a um braço, ligado a um dorso que dói, com a mão que escreve entrando num transe dormente de cansaço, de cansaço sim, pura exaustão, puro esgotamento, amarrada a mão à escuridão, amarrada a presença a um eterno caminhar pela noite adentro, sem parar, sempre sem parar, na noite densa, no bosque denso, no silêncio denso, na noite que fere, que se desenrola como uma cobra até à longínqua madrugada, à medida que o caminho eterno prossegue a escuridão que agudiza, acutila, fere, rasga, satura, imperial a noite, suave no silêncio, sussurrante no delírio musical da solidão, dos seus troncos de oliva, não vejo fim ao caminho, ouço estranhos animais, vou sucumbindo à exaustão, o negro da noite não repousa, o negro da cor está na sombra, perverso autor de pincel anónimo que derrama pelas sombras mais escuridão, mais densidade, em caminho eterno, contínuo, como o solitário caminhante que não sabe onde está, para onde vai, quem sou e donde venho, só caminho, tragado e mastigado pelas trevas, onde estou e que horas são, deus meu, deus meu, ouve-me e auxilia-me, ajuda-me a sair desta noite lenta, subo e desço no caminho, por vezes trepo, volto atrás, rodeio um tronco que me rasga a face com as suas arestas de ramo velho, , dói-me as mãos de afastar a vegetação como quem afasta tentações malignas, em caminho, eu caminho, no caminho, sem parar, que tecido é este que se derrama no chão, a roupa ou a pele, arranhada, ferida a pele, fujo e regresso ao ponto de partida de todos os perdidos, noite pura, o caminho sobe, cada vez mais ingreme, a subir, o luar no escuro, denso e consciente, o bosque predador, implacável predador, que te engolirá sem remorso culpa, noite tensa, silêncio absoluto até ao zumbir das salgadas lágrimas intuitivas que me salgam as feridas, cruzo os braços para aquecer a hipotermia, chamando-a de cabra, puta, falsa, respeitando-a doce e amarga, como a morte, como a consciência, como um corpo que exala exaustão, como um enorme cão preto algemado aos pulsos ferrugentos com os passos dificultados, com o fim que se aproxima, primeiro devagar depois com violência, como um estrondo (…)

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