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GAZETA DE POESIA INÉDITA

Espaço dedicado à divulgação de poesia original e inédita em língua portuguesa.

GAZETA DE POESIA INÉDITA

16
Jan21

CONSTANÇA GUIMARÃES - ALEATÓRIAS

 

1

sem tempo para acertar contas com a receita federal
da empresa do marido
que tinha seu nome

2

cem coisas para fazer
sem nenhum minutinho
sem nada para olhar
cerveja
cerveja quente
cachorro-quente
pras crianças
comida congelada
exausta com culpa

3

sem conversa
no almoço
estrogonofe com milho
contado um a um na ponta do garfo.
arroz é impossível contar
cem japoneses juntos vendo a monalisa
nunca fui a paris
eu ia, antes de me casar
antes do meu pai gritar
que era o único jeito
depois ‘de tudo que eu fiz’

4

sol não se mede não se conta
como as gotas que ela tomou todas ontem
calor não se mede
forno ligado o gás se espalhando
as gotas os comprimidos
sem história sem assunto
sem história nenhuma na vida dela sem pausa
sem café nem vodca
com comida sem fome.

5

o menino falou muito alto ontem
ela não ouviu.
voltou para casa sem voz. a festa
cem pessoas. sozinha
o menino no colo ardia

6

tempo não se mede. 
cem dias
sem tempo pra nada. 
sem tempo para tomar banho. sem tempo nem pra tomar banho
sem nenhuma gota. a água acabou
cem lágrimas caem em poucos dias

o tempo se conta assim. 
os dias se contam como a água se conta - em gotas. 
as lágrimas se contam às vezes
os meninos sentados no sofá.

cem reais. sem reais para pagar a conta. o dinheiro acabou.
o emprego sem emprego. sem emprego
sem emprego. no jornal, empregos.
sem vizinhas
cem casas em volta. sem ninguém

a janta.
os meninos sentados no chão perto da televisão.
televisão idiota velha chamuscada.
como será que eles conseguem enxergar o desenho?
sem imagem.
quantos pixels
o tubo velho ainda se esforça.

o menino do desenho grita: olá papai, trouxe um presente?
o pai do menino do desenho havia levado um presente.
as crianças dela se entreolham.
sem reais. sem emprego. sem pai em casa
sem água. sem salário
o marido. saiu. faz tempo.
levou o dinheiro na caixa
o celular que era o telefone da casa
o que poderiam ser dias bons. 
deixou, apesar, um alívio não identificado
até hoje
e junto a angústia das crianças

cem dias se conta toda hora.
cem dias se conta todo dia.  
às vezes se conta com lágrimas.

7

um dia dormi e
ali naquela bifurcação tem cem saídas
leia rápido: melancolia.
melancolia é uma palavra que não tem plural. experimente sentir e contar não dá.
contei cem vezes, repeti.
e sozinha ela se repetia, repetia, repetia, repetia. não teve fim. não me largou

cem degraus
sobe e desce um sem número de vezes.
a escada não conta a vida. tente não cair
a porta de igreja é grande meu véu
tem cem quilômetros
sem fôlego
ou desejo

8

sem ovos
sem leite
sem sabão em pó
sem café
sem pão sem bombril – cem vezes cem e mais uma utilidade! 
as panelas sem comida
sem feijão
já tínhamos comido um quilo de sal.
muitos casos mulheres muitas camas
cama sem ninguém por aqui
geladeira com estrados congelados
eu sempre em casa só
sem tempo sem um minutinho
cem quilos.
para a comida das orcas krill
manada matilha alcateia
tento entrar e tento fugir

9

com as crianças com fome em casa
era domingo perguntaram pelo pai
fomos à janela, ver o sol e brincar com as nuvens
tinha muita gente na rua
sem tempo pra pensar
entramos correndo
bala de borracha. porrada. Tiros de verdade
a hélice do helicóptero voa a que velocidade?



 

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