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GAZETA DE POESIA INÉDITA

Espaço dedicado à divulgação de poesia original e inédita em língua portuguesa.

GAZETA DE POESIA INÉDITA

05
Jun20

DIANA V. ALMEIDA - O ARTISTA NO LUGAR DO MESTRE

 

Atrás da floresta curto circuito azul mandala talha em grelha sobreposta o rosto coroado do poeta em linha sobre a Terra águas apondo matrizes dimensões sentidos paralelos crónicas em cruz. Dentro da floresta a ramagem recorta a figura de um cometa rasgando o rosto aureolado carmim novo rasto na grafia cinza labirinto labor redita chama cruzando fluxo traçado devir: cingido pelo livro, António, furaste na parede um prego aberto na página onde o esboço negro de um peixe maquinal mergulha na resina puxaste patas ao inseto gigantesco colando sua espinha-teia no baralho de cartas tóxicas penduradas do teto por um fio visível transparente quase.

Como se mera hipótese constituísse perjúrio cerrando a cor.

Gestação: do gesto gerador rasgando azul no friso térreo orlado por monstros edénicos nasce água: pedaços de mar quem sabe órbita se o ângulo futuro deixar antever, Maria, seus filhos, a memória recolhida recortada e aqui colocada. Em cada face poder-se-ia abrir um alçapão do labirinto por caminharmos entre valas rostos móveis sucessos ágeis anéis agindo simultâneos enquanto o traço difuso dentro aumenta entropia implode alegria. Sobre-posto. Gerador: fértil fonte convexa repentina repetindo imagens.

Aqui o rosto subjaz à cegueira são teus olhos peixe sem cabo folhas cauda de dragão jorrando cometas manuais para casados escadarias imensas que se multiplicam proliferam iludem limiares vínculos metáforas enquanto vários planos se apuram no esboço adensando o enigma nas carreiras de hieróglifos desenhados.

Infinita paciência ao ritmo compassado da respiração.

Em vez de ciência crua quero tratados alquímicos pura magia tudo o que existe e se conquista pelo sono ou se expande no segredo da meditação tudo aquilo que o traço revela desde o nascimento até aos dias em que a beleza-relâmpago desce sobre nós. O sorriso díspar do poeta alado.

Onde porás o teu retrato, al-Mu'tamid? Entre as cordas da kora solta المعتمد بن عباد seus braços no estertor da palavras subindo o pincel. Entre máscara e riso uma princesa entre máscara e risco rugosa princesa de papel couché reflete a luz fluorescente ergue o rosto manso seu traço cris suprindo qualquer excesso em gradação cromática, um convite.

Do coração-rosa pulsa o devir difuso em pétalas abre novo ensejo todos os lugares. Entre rochedos famílias sobre cómodas alinham elétricas o consumo regular de mão pousada sobre seu ombro doméstico. Assim meu irmão empurra o rosto para este sorriso aberto meu irmão empunha o rosto aberto.

Esta rosa é um vulcão seminal, esta rosa é um botão gerador, esta rosa em botão aberta ao dia acende cidades (vejo tuas mãos a tesoura declina a luz pela mansarda e tu prossegues pois o tamanho do mundo não tem tempo e foste já engolido na voragem geradora). E a rosa muda então em olho negro centro da galáxia onde as imagens acolhem qualquer sobressalto mais um verbo verde que lavra o peito abre morada vegetal.

Sendo aqui algum encaixe outro sentido pleno de mistério prenhe como atesta a leitura o leitor a loucura enquanto cifra arcana. Importante (a)notar quelques mots vagues nous surprennent atravessando a língua esta palavra no papel composta por sílabas linhas pelo próprio movimento desenhando traços ao longo da página.

Circundante amor nasci desta hélice de fogo nas primeiras chuvas veículo translúcido. Por amor erijo catedrais e cruzo teu olhar subindo pela cana do nariz até ao cimo circunspecto cinjo a cintura da palavra descrita pois quero tudo sempre desenhar o mundo dizer todo o mistério suas luas encobertas suas marés insurretas mãos relógios de areia que se revelam afinal falsas fronteiras traços armados de espinhos longas flechas.

Pelo teu olhar subindo assobio mãe nesta espiral contínua que nos prende expande teus cabelos véu imenso viçoso tua cabeleira-medusa as anémonas brancas deste mar onde naufrago navegante na barra da comoção refeita a cada linha seguindo a reta do meu canto: imensas palavras perfuram sentidos abrindo montanhas deslocando dedos qualquer obstáculo vivo a tristeza fina que sufoca os dias.

Tamanha carícia a diversidade das coisas aquilo que abre multiplica arranha. Sobre o papel deixo ainda a sombra um sinal o gesto obnubilado transparente túmido. A imagem treme tangente tragando resquícios por ela conduzo alguns apegos a imagem resoluta tudo em si sorve move.

Ao cimo da cabeça o anel do tempo reparte barras verticais ténues traços obscuro alfabeto circunscrito ao momento de enunciação síncope breve. E de novo a hélice move o movimento arranca furor abrindo brechas lacera enquanto as flores incendeiam pensamentos em abril aberto à chuva no recorte livre de qualquer memória busco — a tremenda tentação do sentido uno singular universal — diverso sustento abóbadas inauguro geometrias sagro. E assim buscando encontro alçapões raízes falhas folhas saturadas as cores do coração errante no círculo mora o ciclo demora em nós ainda vivos

— silêncio agora

eu respiro.

 

O espelho pluriforme possível prolifera encela visões reflete recria repete retoma replica redundante díspar dimensão nesta diferença: um homem segura um ramo de flores um homem calvo de fato negro ergue sobre o triângulo da camisa um eco branco um homem iterativo sobe em diagonal sobreposto ao enredo. (A exposição é um abre-latas de miolos modernos.) All right now.

Retomo preceitos pela policromia perplexo dedilho um rosário de olhos faço contas convoco cem guiões móbeis caleidoscópicos incandescentes voando por imagens lança-chamas lufando este incêndio inteiro buraco-negro labirinto espiral: o nó dúctil do terceiro olho. Sobe-se por uma escadaria luminescente (azul e branco sobre fundo flamante onde se insere sorridente recortado com aura outro poeta em fotografia de bolso, a camisola no pico da pirâmide nublosa, entre ramadas corre célere galinhola no traçado de raízes próximo que mais parece asa delta δ Δ o vértice da incerteza alinhado na cabeça da mulher que sonha insetos, inserido, ele mesmo, por sua mão, sob instrução do artista ausente, múltiplo embora em várias películas peles rostos aposto com ou sem filtros embandeirado como Buda farto de saber ironias seu destino, fecho parêntesis).

E as mãos dedos em riste tecendo radiculares ॐ

sob o corpo vias veios

a túnica púrpura frente ao rosto negro quase índigo irradiante

à Luz deflagra a caligrafia deste corte crescente rostos sobre rostos réstia trança urdidura descerrando espaços esboços orla casa. A matéria marca o papel estriado a dobra do golpe contínuo outro agrafo de metal comunicante hoc opus, hic labor est. A orelha é quiçá espiral de pedra unindo na mão em concha a palavra ao ar os lábios ao livro mandala concêntrica como repto por não termos em nós todo o fogo do mundo nem tamanho incêndio e ser a voz sussurro silente sílex a garganta muda em medo ao começar. Queremos pois conhecer mapa e terreno síncronos nosso corpo-casulo espalhando fios pelo labirinto queremos caminhar no coração das coisas

— silêncio agora

inspira.

Por isso rente ao chão soçobra o movimento persistente da água azul sobre azul: azul cobalto azul anil azul marinho azul malaquite azul azul azul turquesa azul sombrio quase noite lápis-lazúli azul raiado azul espiral azul esmeralda azul expoente azulão azul cerrado azul-ferrete azul iridescente aventurina azul crisocola azul centáurea azul violeta azul real azul ardósia azul zuarte azul laminado azul fosfato azul cristal azul azurite azul lavanda azul cerúleo azul azul... em roda a onda empurra o friso de azulejos a moldura do chão pedra e madeira parede cal e demais criaturas com escamas nos pedaços de papel rasgados deixando ver outra face do mar suas áreas de brancura salgada rebrilhando afloram a cerâmica onde rutilantes cerejas soltas convivem com pássaros emplumados sobre ramos pousados ridentes bicando o ar.

Em cima no móbil serena volteia a Virgem medita olhos eterna envolta no seu manto lúcido sobre um falo-nuvem abre alas flanqueada pelo friso dourado

mãos em mudra agrafado sobre o cosmos estrelado

— silêncio agora

expira.

 

Sobre Mil Órbitas, exposição de António Poppe (ZBD, 9 fev. a 27 abr. 2019)

 

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Images - Diana V. Almeida

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