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Out18
EDMAR MONTEIRO FILHO - TRIPLO
Se há, pois, dois de mim neste domínio
e todos os dois me são por sua arte
por que a separação entre dois mundos
se ambos somos eu, de parte a parte?
A mente, os olhos de um, de outro o braço
escrevem as estrofes do poema;
se ouço uma das vozes num murmúrio
já é a outra delas que me acena
Se é minha escolha, eu não a reconheço,
perdido em controlar minhas vontades;
não basta entender todo o processo
se nele não me é dada autoridade
Espero um por vez para que eu seja,
prevejo um e é outro que palpita,
descrevo a cada um como é meu outro
e nenhum deles nunca me acredita
O ser assim, eu mesmo em dois pedaços
é nunca poder ser senão um deles
privado de enxergar-me num conjunto
sou corpo envolvido em duas peles
Enquanto este poema assim se cria
por sobre a folha, nítido, caminha
procuro entender o seu sentido
não sei se no intervalo ou se na linha
E sigo aqui, sereno ou preocupado
Atento ou pensando, distraído
enquanto, sem a minha interferência,
eu vivo sem usar a consciência
de ser um só poeta ou ser partido
De cada lado meu um meu pedaço,
Distinto ou conjugado ou dependente,
dois “eus” vivendo em mim, me comandando
e eu aqui, querendo estar ausente.