07
Fev21
FERNANDO GUERREIRO - "A DECLARAÇÃO DE AMOR..."
A declaração de amor adoptou
a forma tardia de um álbum
de canções, tumor de sons
na linguagem que não pára
de gangrenar, entorpecendo
a língua até a enlouquecer
e fazer perder o que nela
ainda resta de sentido de vida.
Só isso o pode levar a escrever
novas versões do mesmo res
sentimento que o deixa sem
soluções, palavras por dizer,
confrontando-se com a idiotia
do seu mutismo. Nada havia
para conhecer, a nãq ser
talvez um lance de pernas,
enrodilhadas em algas, por
onde se vêem penas a cair -
corte na frase por onde
se precipitam as palavras -
nos refêgos de brancura aí
deixados pelos sentidos.
Não, nada havia para ver
a não ser a carne que sai
a cintilar da água, carpa
brilhante que se retorce
na espuma e persiste em
mover-se contra o curso
do rio. Mais um esforço
e ninguém haveria aqui
para nos receber, apenas
os fungos cujos esporos
se soltam e crescem,
sequiosos dos vapores
que se desprendem
do fundo movediço
do precipício. Sempre
palavras a mais, decoradas
de carnes e soberbas
coberturas que atafulham
as saídas físicas que
nos podiam conduzir
para fóra do labirinto.
(Jan/2021)
*Seguir, ouvindo "How many stars?"/"In the desert" dos Mekons
(álbum Deserted ,Glitter Beat, 2018),
com os Três Tristes Tigres (de Ana Deus, Alexandre Soares e Regina Guimarães) nos auscultadores
("À Tona", "Surrealina", álbum Mínima Luz, 2020).
Da mistura, inúmeras papoilas fluorescentes brotarão, de certeza,
no espírito.