10
Abr20
FERNANDO MACHADO SILVA - UMA DERIVA EM PRAGA
onde nós estávamos era
o paraíso pouco mais havia
a desejar a inclinação do mundo
a nosso favor o labirinto
de uma cidade que trazia à memória
o prazer do corpo a deriva das palavras
a peregrinação dos sonhos
selaste a vida escondendo um poema
na minha boca
segui-te dias e noites
desfiando o sentido de uma aventura
não te carreguei aos ombros como me representaram
levando K toda tu
me enchias os olhos entrelaçando
os dedos nos desta mão elementar
enquanto dormias o meu olhar dividiu-se
entre ti e as luzes das máquinas
animando a noite e os corpos que a atravessam
e inquiri se o ser que tudo permeia
também em mim se encontra
ou se tu como eu sob a tua língua
tens o verso que te ergue
se me retiras uma letra eu desfaleço
tal qual esse secreto sopro o último
quando liberto te iguala a uma pedra
coberta por uma mortalha de musgo
não foi Isso que diferenciou cada coisa
mas a perversidade da separação
e disposição numa escadaria onde tu bela
criatura estás no topo e o resto da
matéria dispersa degrau por degrau
mesmo sabendo que tu e eu
somos como carvão e diamante feitos
do mesmo carbono
em vão procurar a tua resposta
ou mergulhar nas águas frias da
esperança de que tudo um dia se difira
no vão outra escadaria se segue
onde outras como tu se entregam
a um baile de máscaras degrau a degrau
os rostos de pedra martirizadas por uma
inominável dor ao longo desta ponte
marcam-se na carne dos pedintes e dos seus
cães quase mortos pela fome e a gélida névoa
não posso mais olhar sem que uma parte
de mim parta e caia como um rochedo
numa falésia ao mar
agora que estás desperta e demandas
como rugas se afundaram nos meus olhos
eu peço
ensina-me a arte da escrita
e ver para além dos artifícios
da criança ao velho falta a palavra
para a celebração da vida apenas isso
eu guardo e protejo
quando não mais servir eu próprio
me reverto ao pó de que me fizeste