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GAZETA DE POESIA INÉDITA

Espaço dedicado à divulgação de poesia original e inédita em língua portuguesa.

GAZETA DE POESIA INÉDITA

17
Fev19

FILIPE MARINHEIRO - "HAVERÁ UMA MULHER..."

 

 

 
haverá uma mulher levantada sobre ela própria que estoirará com 
os miolos dentro.
miolos de mulher todos espalhados trespassando a solidão 
do nevoeiro: 
que passará, que baterá.
está agora deitada essa mulher, cantando a menstruação 
estendida por entre os braços enormes 
num reflexo aleatório, sem luz ou água para se lavar.
tem a boca inundada de sangue menstruado. 
e os miolos haviam entrado 
pelo túnel obscuro da boca toda cantada ao sexo.
pelos miolos que um dia pensaram
nalguma fantasia como a angústia à ternura da beleza.
cantava a mulher:
 - de noite. de tarde 
contra as manhãs a estremecerem devagar.
 
cantassem a morte com voz doce, 
nenhuma mulher viveria
em sofrimento.
deveriam correr loucamente por um campo de flores abertas afora, 
tocando-as como se morressem a cantar tão formosas.
tocadas. choradas. 
morreriam prematuramente as flores na perplexidade.
flores como dardos de labaredas.
atiradas pelo campo inteiro até à morte inteira.
e as mãos das mulheres arderiam de felicidade 
ou então andariam à procura do amor honesto. fiel.
 
separados os miolos 
ainda agarrados aos tendões das veias a ferverem 
do estoiro invocariam a integridade da mulher.
a ferver no silêncio doutra vida.
mulher exposta ao relento. 
depois do relento arromba com os espelhos das flores.
vocifera. dissipa o corpo louco.
doida estende, expande as coisas para outras coisas inteligentes.
deitada sobre as hastes das flores dos campos,
flores que voavam e corriam sobre a mulher infiltrando-se
para trás, para a frente preenchendo os lados com belas pétalas. cheirosas.
- uma madrugada cantou a purificação.
 
agora saberei que a morte da mulher
transformou-a numa morta prematura, e os mortos cantam comovidamente.
mortos a mergulharem com a cabeça na polpa das estrelas.
batem diante o sangue da cabeça batendo no sangue celeste.
estrelas embrulhadas na confusão das palavras
da morta. 
 - dos mortos que furam incrivelmente a planície e delicadeza 
das estrelas que cantam os miolos.
então os mortos não assombram as pessoas, somente vêem pela água cristalina de seda. purificada.
 
dirão: que os mortos e a própria morte são uma inocência
de quem estrangula a respiração pulmonar dos vivos.
- direi que os mortos são como afundar o batimento cardíaco 
e recitar algumas palavras exepcionais.
 
- palavras recitadas, 
através do afundamento do batimento cardíaco 
por sobre o espelho dos miolos daquela morta mulher.
mulher enquanto corpo derrubado
pelos fundamentos da pólvora junto à cabeça atordoada.
porém, a cabeça repassa 
as colinas do pensamento enquanto as noites, as tardes e as manhãs 
estão minadas de inteligência e massacres pomposos.
toda a palavra e morte 
- sobrevivem aos tempos como pretextos da procriação e essência.
 
entre o meio dos miolos a mulher é fatal.
reclama a paixão de viver. 
anda, veleja, carrega e varre o ar do sangue do nevoeiro.
 
- haverá uma mulher que encantará cantando as flores debruçadas por cima da terra molhada de menstruação. 
coxa, quadril, unhas e pescoço  
passados por sangue menstruado ao sopro da luz lavada. 
porque o sangue das flores cantará a vida.
mulher já mesmo morta, 
mesmo se os braços dela levantarão os miolos voltados para o céu envelhecido. 
céu doutros tempos impostos.
e ela deitará abaixo a água dentro do membros caídos, 
fora dela inundará, virará a água repleta de água, 
através dos membros, dos orgãos, dos ossos.
tudo despedaçado. 
e é alegria que ela pretende. 
a mulher moverá todas as menstruações e miolos por estoirarem.
 - cantará.

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