07
Set18
HENRIQUE DÓRIA - POEMA II
Ah! palavraspalavras palavras-leões
Alados-ar imortal
Para que vos quero-antes
A minha morte. Catástrofes
Ternura nos dentes de sabre
Meu velho e fiel demónio-Amor
Rasgo-Te as entranhas faço-Te crescer
Uma faca no crânio – regando-a
À flor misteriosa-
A flor misteriosa é subtil no uivo
Oh imaculada concepção
Com uma deslumbrante açucena no sexo
-Nesse lugar toda a açucena é santa
Nesse lugar apostasiei de mãos
Voltadas para o céu sem fundo.
Virgenzinhas que uivam
Voltou a lua em crescente
Louvando-se na garganta
Incendiando os seis da loba – lobos
Que esperais da noite?
A hiena tornou-me cobarde e escravo demais
Para vos rasgar os flancos
Nunca praguejei – mesmo vendo-me só
E de olhos enlameados entregando-se precocemente
À terra – às raízes da tíliaambar
Tenho bebido vinho envolvido
Em absinto
Eu a taciturna esfinge
Hoje sou um lobo num quarto de chumbo – olhos do tamanho da lua
Suspensos num sol negro e sete vezes maior.
Deram-me a comer os meus próprios testículos
A mim que na remota infância fui
Alimentado com leite de cabra.
Por ser verdadeiro deveria despojar-me
De tudo do coração da boca das mãos
Das rosas das palavras sufocantes
Das palavras sufocantes sim
Porque é sufocante toda a beleza
Construída com argila na boca.
Eles, os meus olhos, são só sangue
Solitários no fundo da ânfora
E as asas de leão levam-me
Às estrelas no fundo da ânfora
-Cruel viagem – porque
Dentro de mim há três pessoas
Pregadas à minha pobre pele
Dizia eu – por dentro.
A boca da terceira está cozida com agrafos
Mas ela uiva-uiva-uiva
Ao lado da noiva ela uiva
Ao lado da viúva de cabeça vermelha
Ao lado do crucificado ela uiva-uiva-uiva
Demoníaca trindade
Dizendo com um trinco na língua-só
Sabendo praguejar com um prego nos dentes
Com uma walter no lugar das mãos.
Precisa de ti para viver – a terceira pessoa
Mas tu não vens
As primaveras respiram novamente
- Mas tu não vens
Inacessível louvor do violoncelo atravessando
O vidro da solitária desilusão – respiração penosa
Grito atónito por ti que nunca vens
Rima misteriosa.
Corto a pedra com três faces-aprendiz-companheiro-mestre
O escopro contra o coração
A régua contra a garganta
Impelindo-me à obra
Pedra do Amor sobre pedra do Amor
Torre sobre a língua imperfeita dos homens
Torre rumo ao farol
Espelhando a luz que ressoa sobre as águas
Fedendo o deserto com poder
Abrindo com relâmpagos a porta à liberdade
Ah palavras gritando dentro das palavras
Só as palavras me hão-de amar na mansão dos mortos.