13
Mar21
INÊS LOURENÇO - "UM VERSO É SEMPRE DEMASIADO EXÌGUO"
Um verso é sempre demasiado exíguo
para conter o mar. Quantos milhões de milénios levou
a Terra para fracturar continentes e arrefecer os oceanos
incandescentes da lava primordial?
É sempre o mar da Foz do Douro que
me arrasta para esse inacessível tempo sem medida
quando revejo as rochas e a espuma
ou reencontro o Café do Molhe
onde o Pina evocou o desencanto da utopia
na ambulante utilidade de umas certas pernas. Podemos
sair para um passeio à Cantareira
levados pelo Eugénio, ainda
antes de cantar as palmeiras do Passeio Alegre
altas como marinheiros de Homero.
Seguiremos até ao Forte de S. João Baptista
que viu nos invernos a maré assolar os
passantes desprevenidos e terrestres viaturas. E
o tempo do mar deste século
leva-me para as antiquíssimas manhãs
de nevoeiro, onde não surgiu o Desejado, mas
começou a vida deste Forte. Nenhum Alcácer-Quibir
turvou nunca a indestrutível existência destas águas
que qualquer verso é demasiado exíguo para conter.