04
Fev21
ISABEL CRISTINA PIRES - O SEGREDO
Vamos lá falar deste segredo: só nos filmes
manhosos é que o amor é esperto e diligente
e paciente e bom - uma espécie de compota
de morango sempre à espera. Convenhamos,
o amor é acre e é burrancas. Não lhe assiste
a pretensão de um raciocínio, ou da causa preceder
a consequência; atropela as leis da matemática
e faz um grande chichi nas pantalonas; dá
pancada nos animais de estimação, mas isso,
tal como no mundo dos grandes psicopatas,
não é grave. O amor não aprende o b-a-bá
da evidência, e é todo arrogante e catracego:
um parasita, que devora o mais forte e importante
que há em nós, e depois o regurgita, como
um gato a meio do corredor. ‘Inda por cima,
rege-se por leis que levam a nenhures
e brinca aos labirintos até que é devorado
por um touro. Acha–se uma espécie de louca
panaceia, feita de deusas coleantes e de
deuses fervendo no inferno, e depois esperneia,
a fingir que a salvação chegou, num salto
quântico de luxo. Mas o grande segredo
é afinal este: eu cá acredito firmemente
neste amor áspero, burro e impaciente.