19
Jan20
ISABEL CRISTINA PIRES - OFÉLIA DEBAIXO DE ÁGUA
Mesmo que a tua boca nada diga
sou obrigada a perguntar-te
porque amaste assim, de tal maneira
que a morte te esperou constantemente,
com aquela paciência de quem sabe;
e provocou farrapos de veneno ou
cordas de enforcado, e finalmente
esses rolhos de algas que te enleiam
os olhos e a boca, pouco a pouco.
Não sabias que o roxo cinzento te esperava?
Que os corações acabam, como os corpos
ou a fala de quem ama e de quem ouve?
Apetece-me abanar-te nessa água
e ver-te arrastada na torrente,
um ridículo cadáver confinado
à sua eternidade, com palavras
de amor a gotejar pela garganta,
os ouvidos cheios de gigantes
e as mãos mergulhadas na memória. Vai,
vai conhecer outros países, para além
da dinamarca, lugar onde se passam
coisas monstruosas. Verás que é sempre
dinamarca, todas as estações do ano
e em todos os lugares do mundo. A tua morte
apenas confirma a geografia.