26
Fev20
JOÃO PAULO ESTEVES DA SILVA - AMAR A DISTÂNCIA
Aos cinco anos, eu ia sozinho para a escola.
Descia a Calçada Marquês de Abrantes,
virava na Travessa dos Pescadores, depois,
na Rua do Poço dos Negros e ia até ao último
quarteirão antes da esquina com a Rua das Gaivotas;
muita coisa podia acontecer, no trajecto.
Um dia, encontrei um estojo de manicure, branco,
vazio, com a marca a vermelho e fecho éclair;
achei que era uma coisa de menina
e resolvi dá-lo de presente à minha amada.
Logo, nessa mesma tarde, tive sorte.
Havia uma excursão, formámos em batalha,
meninas de um lado e meninos do outro,
frente a frente, no hall do colégio, à espera.
Avistei-a no outro extremo, do lado esquerdo.
Chamei-a pelo nome, acenei-lhe com o estojo
e arremessei-o com um gesto perfeito
que o fez cair mesmo a seus pés.
Ela baixou-se, apanhou-o, olhou-me a sorrir,
disse um “obrigada” sem som que pude ler nos lábios,
soprou-me beijos e vi que eram de amor também.
Lembro-me de sentir aquilo como um cume:
que estávamos ali nos píncaros do universo
e já não precisávamos de mais futuro
nem de qualquer outro gesto ou palavra.