03
Out20
JOÃO RASTEIRO - O PULO DOS PEIXES
“Nem a noite nem o dia querem vir
para que por ti morra
e tu morras por mim”
Federico García Lorca
“O amor é uma noite a que se chega só”
depois da infância oculta na pura folhagem
e da fímbria de uma eletrocardiograma.
*
E não há uma aptidão limpa, mas uma ilha,
e achar-se-á já disponível outra língua
que assegura que jamais abandona à terra
o perfume a rosa do seu perder,
os teus fulvos olhos e o leito despojado
onde apoja a fresca lágrima e a culpa pura.
*
No ensejo da aurora ainda assoma o azul
e como falcão que deleita o pássaro,
na nossa distância, ainda somos um fundo céu,
e no meio, o batimento cardíaco
que conseguirmos oferecer, a única lucidez
em caracteres ilegíveis de sangue e saliva.
*
E não há vírus ou náufragos no mediterrâneo
que te cavalguem para longe da minha língua,
e “a boca beijada é quente de cordas e laços”
e o grande mar sobe ao céu aos pés do pescador.
*
Agora, foragido, o que sei do coração é olhá-lo
e sentir-te, e dos ossos puros pulam peixes,
para que por ti me sustente e tu te sustentes
por mim onde o carvão se verte no espaço angular.