06
Mar21
JOSÉ CARLOS COSTA MARQUES - ASCESE
«E se assim não fosse, o que seria a nossa vida?!
Um ermo cemitério em que cada cruz representaria
um morto sempre vivo! [...]
Deus, dando-nos a dor, deu-nos também o esquecimento...»
Florbela Espanca, carta a Julita, 2 de agosto de 1916,
Cartas 1906-1922, org. Rui Guedes, Lisboa 1986
um morto sempre vivo em cada cruz
vivos que não vivem ermo cemitério
a cidade onde a escuridão esconde a luz
vida que é morte e morte sem mistério
memória perseguindo o que seduz
esvaindo todos os cantos do saltério
nada somos e apenas o mal conduz
quanto somos sem o ser e nada é sério
perseguem-nos os vivos os que amamos
assombram-nos os mortos que adorámos
todos são outro e o mesmo mundo
ergue-se uníssono o canto que cantamos
pisamos do vestido a fímbria que tocámos
e lança-se para o alto o céu profundo
Águas Santas, 25-26 de fevereiro 2021