LUÍS FILIPE SARMENTO - "À HORA CONVOCADA DA BRUMA..."
À hora convocada da bruma, sem palácios nem fantasmas, como um tiro no escuro, descobre a sombra milenar de uma pedra, a gruta intermitente, um relógio assombrado sem passado, a silhueta alva de uma delinquente sem máscara que lhe aponta o dedo sem mágoa e o consome na translucidez do tempo falhado. Repetem-se sem prazo no mercúrio, no horizonte clandestino inacessível à força autoritária, escapam às farpas metafóricas das convenções e renovam-se au-delà des frontières du langage, em forma de página cosida, virgem ao palimpsesto da moda circunstancial, e ensaiam com a boca, a língua na pele, o texto impenetrável aos néscios de sucesso. Não são militantes da simplicidade nem do cortejo em espasmos salivados que concorrem ao palco vetusto da glória efémera nem se perdem nas neves do desejo, de elevado preço, à consciência da morte sem nobreza. Não sabem se são os últimos ou os primeiros nem lhes interessa saber o que dita a doxa implantada à urbe de louros e capitéis. Fora da monumentalidade regente das aparências inscrevem a sua digital presença na paisagem natural que dá à metamorfose condição de existência. E na apoteose secreta do prazer escrevem o que o olimpo jamais permitirá que se conheça. À hora convocada das brumas e dos equinócios lançam às marés o que às marés pertence: os signos indeléveis da Obra que os padrões fátuos recusam reconhecer. A sua nudez é-lhes insuportável.
in Rouge, a publicar