Acreditamos que a vida é um fruto vermelho
de onde não sabemos verter o excesso
desenhar uma aventura

como um piano num bar
soa melhor durante a noite
e nos teus olhos nada se revela

Baudelaire pela manhã
Paris acorda

há um mistério escondido
nos olhos das tuas crianças
o teu Adónis
a tua Safo

Boris Vian veio hoje só para te ouvir

a vida é um risco adverso às estrelas

gosto quando choras
ficas com o olhar perdido
como uma menina

Django Reinhardt
tocava apenas com dois dedos
não sabia ler música

sempre me cruzei com a morte
ambos somos animais
grandes e feridos

Paris não dorme e agora
vais pegar na gaiola do teu canário
antes de inundares o quarto com o gás
da última garrafa

chegas à janela
levas a gaiola para soltar a ave
e és surpreendida pelo vento frio
de Paris que não dorme

hoje ninguém morrerá

transportas uma fragilidade
soberba
e sábia

despes-te para me fotografar
depois deitas-te
encostada a mim
e num murmúrio
arriscamos tudo
contra uma angústia adiada

a alma é apenas um labirinto
uma beleza diáfana
o desespero de uma figura trágica

eu penso
não são as tuas verdades que me seduzem
são as tuas mentiras e
sobretudo os teus silêncios

se aos poetas muito dói o equilíbrio
também as gentes bem quistas
muito sofreriam
se lhes desse para escreverem versos

e continuamos anjos Camille
subiremos agora o Boulevard Saint-Germain
chegaremos ao Les Deux Magots
e de costas viradas para Rodin
beberemos chocolate quente
pediremos papel de carta e escreveremos
uma para ti e para mim apenas um recado

nunca diremos que nos amamos

apenas
filhos da meia noite
imersos na noite inteira.