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Dez20
LUIZA NILO NUNES - PRÓDIGA
Falo da mulher que foi cegada pela vinda de um clarão.
Da rapariga que desperta para a lâmpada solar,
os olhos brancos e feridos como pétalas à luz.
Falo da fêmea que se despe sobre o centro do poema,
os cascos frescos e molhados sobre as águas do poema,
a rapariga que mergulha loucamente nos corais.
Uma figueira exuberante prefigura-lhe a nudez
e o seu espírito revela-se nos figos luminosos,
nas fruteiras onde ferve a pele áspera dos figos,
nas canastras perfumadas onde os frutos apodrecem.
Sei que um figo, se trincado pelas lâminas
da sede, prefigura o sangramento da mulher.
Porque ela sangra docemente como um fruto proibido,
ela goteja sob a árvore maldita:
a sua carne é um verão atravessado de coágulos.
Nos lençóis, nos linhos parcos consagrados à pureza,
posso ler como um oráculo o seu
registo de menstruo,
posso ver delinear-se as asas bíblicas da ave,
posso ver passar as pombas nas linhaças menstruadas,
posso ler nas plumas limpas, arejadas dos lençóis
a sua líquida
escritura de sangue.
Que ela sangre e apodreça na doçura de um perfume
e seja pródiga, isto é:
que a sua boca seja
exótica e floral,
que amadureça como a nota mais profunda
de uma fúnebre fragância de jasmins
e que os seus gestos repercutam o desespero de um pássaro.
E o espírito, cercado pela luz,
amachucado pela luz de uma palavra,
quebre agora o doloroso coração do silêncio.