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Dez20
MÁRCIO LUÍS LIMA - PRELÚDIOS
I
Quando a manhã desponta as manchetes
Dos jornais e o sol nas bancas dos quiosques,
A azáfama corre pelas calhas e veredas
Dos homens baldios que não entardecem
Nos seus próprios lençóis de sede branca.
Um som – narizes a fungar – ecoa pelas ruas
Repletas de trabalhadores de sábado que ignoram
As presenças fumegantes e recém cardinas.
A aurora apaga luzes artificiais e seca
Gargantas grossas amolecidas. Acoita
O mendigo e desarrolha o vadio – fez-se luz.
II
Uma jovem mulher de curtos cabelos escuros
Prepara um café enegrecido para o seu estômago
Ensonado, e para o noivo alienado que perscruta
O odor dos lençóis.
Oito da manhã.
Os cavalos já roncam pelas ruas de calçada
Portuguesa, chiam os travões,
Derramam-se óleos e combustíveis, os mecânicos
Alistam-se com cigarros no sobrolho
E os taxistas já acarretam três histórias de bolso,
Mais sete programas matinais nos ouvidos
Cobertos de pelos e ceras orientais.
Os quiosques correm as persianas metálicas,
Os cafés e pastelarias as tais de pano barato.
Quem à rua vem, na rua não fica, mascara
O rosto com vestes prensadas e o quarto
Assemelha-se a uma tipografia muito velha
Imprimindo jornais regionais.
O cheiro a café na cozinha
E da jovem mulher de
Curtos cabelos escuros
Nos lençóis do quarto
Inebria a prensa nessa manhã.
III
Não é isto um livro de poemas?
Quando o pano diurno cai e em cena
Entra a noite sem que a avistem
Ou avisem sequer que é sua a noite?
Um vigilante atenta nos detalhes
Em que a mudança se dá, mas jamais
Jamais verseja. Recolhem-se as
Máquinas automobilísticas no resguardo
E os miúdos atiram-se nas passadeiras,
«Onde vais?» já não vai, foi.
Arrastam-se os cadáveres prédio acima
Pelo elevador semblante a caixa de fósforos.
Agora no vértice da cumulação
Arrebate as palmas das mãos
Ao rosto do espelho:
«Onde vais?»,
Mas já não vai.
IV
No hall do prédio ele engenha
A palhoça de tabaco húmido
Na palma da mão trémula,
Desde a onça até à mortalha,
Segurando nos lábios secos
Um filtro branco, sem textura.
Assim que finda o processo
Da obra, incinera
Na arquitectura de Prometheus e
Com avidez desponta a
Fragilidade humana
Do vício.
Insiste em caminhar na linha
Recta que o comanda
Ao exterior, num pueril
Respeito inconsciente
À ditosa lei “proibido fumar”.
Teima em calcar o chão
Como se as pedras queimassem
A borracha dos sapatos, e a
Pressa de chegar a nenhures
O obrigasse aos movimentos
De assiére e avant
Sem público que o alcance.
A rua segue enegrecida e escura
Só a água da piscina ilumina
A triste ponta do cigarro, obra
Que ele não estima entre os
Dedos, oferecendo ao sapato
A presunção do prazer à desfeita.