Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

GAZETA DE POESIA INÉDITA

Espaço dedicado à divulgação de poesia original e inédita em língua portuguesa.

GAZETA DE POESIA INÉDITA

26
Nov19

MANUEL DA SILVA RAMOS - MONSIEUR RAMOS DESPEDE-SE DO VERÃO

 

Monsieur Ramos despede-se do verão anunciando nas ruas que vai viver do
rendimento das suas recordações estivais até ao final da vida.
Mas ninguém acredita.
Voltou ao café que frequenta desde a morte da sua esposa – uma joaninha que
lhe tinha entrado pela janela numa madrugada de calor – mais desbronzeado e
a falar uma língua estranha que cheira a etar : o algarfez, que não tem vogais.
O dono do café questionou-o:
- Então como passou as férias, Monsieur Ramos?
- Bem. Limitei-me a olhar…Às vezes também a molhar o olhar.
- E o resto?
-É tudo treta. E contra- treta sem orgasmo. Se não fosse a água gelada vinha
pobre como Job…
Monsieur Ramos conta depois a primeira recordação: -
- Imagine, mon cher ami, que um dia, distraído como sou, fui para a praia nu e
de calção na mão. Levantou-se logo um burburinho dos demónios contra mim.
Chamaram o nadador-salvador, a polícia marítima, e todo um bordel de gente.
Queriam-me meter na choldra. Houve até um indivíduo do Porto ( devia ser
médico) que com a sua linguagem típica afirmou alto que eu devia ter o
testículo esquerdo mais quente que o direito e convidou as senhoras de meia-
idade a tocar no bolhão. Quem me salvou foi um vendedor de bolas de Berlim a
quem eu comprava todos os dias duas de alfarroba e que disse que só os
vizinhos é que levam no focinho, não as pessoas pacatas como eu…
O dono do café sorri. Sabe que o seu cliente é o mais sossegado dos homens
embora o tenha visto uma vez a tentar engolir um homem aborrecido que
trabalhava nas Finanças.
– Então, e para as próximas eleições, como vai votar?
- Rien. Se houvesse um candidato com um pé boto ainda seria capaz.
Monsieur Ramos paga o café e depois de andar uns metros mergulha no metro
para apanhar a linha verde em direcção aos Anjos. Leva no bolso uma bússola e
uma perna de galinha para o caminho.
“ A vida é bela” assobia Monsieur Ramos. Vai desarmado, direito a outras
recordações passadas.

 

 

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2020
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2019
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2018
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D

Mais sobre mim