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Out18
MARIA AFONSO - "O CAVALO BRANCO..."
o cavalo branco continua no prado
e as mulheres aguardam
com gestos lentos o breve
volver de um rosto
há algo mais premente do que cobiçar a felicidade - ouvir a chuva
lá fora a molhar-nos por dentro
caminhar dentro de água - o nosso elemento
fecham-nos numa casa para nos preservarem
dos males do mundo
alguém incendeia uma outra casa para
dilacerar a nostalgia
sentimos o ar como uma substância ligeira
e o travo salgado da terra onde nos semearam
temos que nos mover pelo enxofre líquido
com uma vela acesa
salvar o mundo e ouvir os considerados inúteis
depois pode nevar sob a abóbada inexistente
de uma catedral onde a voz se faz ouvir
haverá quem arrisque beijar as nossas mãos
rasgar o silêncio sem ferir o ar
com que os cavalos acordam as manhãs
inventar a língua que dilacere as palavras verticais
há que decifrar o rastro que o dia deixa para trás
sem prever os sonhos da noite
que arranhem os silêncios
afinal os cavalos não se abatem e a poesia
será sempre impossível de traduzir