29
Set20
MIGUEL REGO - MOIRAL [PASTOR DO TEMPO ADIADO]
Às portas do dia, no adormecer da noite,
o moiral abre a janela à manhã e caminha sereno,
levando o rebanho entre os restolhos incandescentes, regaço do sol.
Pastoreando o campo de fenos verdejantes ou de pastos secos,
que já foram cevadas ou trigos,
o gado ondeia entre as sombras
das nuvens altivas que deslizam
abraçadas ao mansinho respirar das azinheiras.
O moiral,
eremita, campanário, milhafre das terras do meridiano,
borda d’água deambulando pela vida,
é sequioso no olhar com que abraça a planura infinita…
e traz o seu nome entre as pedras murmurando,
traz o seu olhar pela mão,
enquanto o tempo inacabado afaga os pastos amarelecidos pelo verão.
Lá no caminho com o gado,
passeia as estrelas na noite de lua ausente,
e quando pressente a chuva, o vento amaina
no andar vagaroso do gado
e, os animais na terra prenha,
aconchegam-se à sede que corre na ribeira.
Mas ali na campina imensa
o monte onde descansa a sombra de um sobreiro é o olhar vigilante sobre o montado,
e o moiral solitário,
que o cão sempre consigo traz,
acompanha o cantar do trigueirão
respirando a terra brava, o chão de fogo,
o Vento Suão.
Não é a trovoada, nem o prigo, que amansa o pastar cadenciado do rebanho,
mas o grito da coruja na fresca brisa
que acalma o delírio das estrelas nas noites de Verão.
E o moiral, pernas firmes no caminhar inacabado de quem procura a calma do tempo,
leva o gado como se fossem versos livres
voando para os cabelos de alguém que está ausente.
Miguel Rego
18 de Maio de 2020