11
Fev21
NUNO JÚDICE - UMA PASSAGEM IMPOSSÍVEL
A mulher que espera o verde para atravessar
a rua olha para o infinito. Talvez não haja nada
do outro lado da rua que vai atravessar, e
talvez aquilo de que precisa esteja nesse ponto
para onde olha, para lá do estranho céu
que ela interroga. O vermelho passou a verde, e
o verde voltou a ficar vermelho; e a mulher
não se move, prendendo o meu olhar
com a sua imobilidade. E os braços
parecem esperar alguma coisa que não vem, como
se estivesse numa sala de baile à espera
do convite para dançar. Juntam-se à sua volta
as pombas da rua, como se os pedaços
de sombra do seu corpo as pudessem
alimentar antes do seu voo. E acabei
por me aproximar do poste onde o verde
e o vermelho alternavam, apenas para ter
a certeza de que ela não era uma estátua e
fixar os meus olhos no ponto para
onde o seu olhar se dirigia: esse pedaço
de infinito onde ela misturava o azul
com o branco, como se o céu fosse o quadro
que pintava com as mãos da sua alma.