NUNO MATOS DUARTE - AGUARDO A FRASE
Aguardo a corola amputada que reaviva o frémito. Pressentimento, desponta, recolho-a e pouso-a, não com excessivo cuidado, dentro da caixa desarrumada das sobras: a caixa ali deixada, no parapeito instável da fenestração da lua nova. Exausto, deixo-me ficar: este compartimento é só para um, mas a quietude não garantiu a claridade que imaginei, o estro tarda sempre (retido nas represas do tempo). É este o panorama e esta a moldura, o esguio rectângulo do nada. Vejo o ponto que georreferencia o seu centro exacto, a lente da natureza nele: mais, mais e mais… mais ainda, toda a ênfase nesse aglomerado impreciso de partículas sem cor. Não se dispõem em círculo, não confirmam nada. Cada partícula invisível, indivisível, una e quieta em si, é a condição absoluta para a aridez, o ínfimo superlativo da esterilidade de tudo. É ali, está ali, sou eu na lonjura de vós: informar é isto e este é o lugar do não retorno a que sem pingo de emoção se deveria chegar. Não foi esse o meu caso, este lugar serve-me e comove-me. Limitar-me à aceitação do inchaço da realidade comezinha seria anular este testemunho para não anular o nulo de mim, mas o cuidado que coloco na redacção destas palavras é, indubitavelmente, um excesso desnecessário. Penso na palavra hedonismo: destoa deste lugar informe (se lícito é lugar chamar-lhe). Exaustão é o substantivo do tempo, tudo exaure e morre-se quotidianamente nessa ideia quando se duvida da beleza-testemunho-vivo nos filhos que o amoroso amigo de Shakespeare não tem. O ser consigo morre, filhos são amor-vivo, filhos não são legado. No trilho a pena vive, cravada no papel, a espora no costado. Três fatias de pão de três dias: sou eu quem define a era.
(excerto de um texto inédito)
Nuno Matos Duarte