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Dez19
PEDRO BRAGA FALCÃO - " Uma cúpula tão grande"
Basilikê tou hagiou Petrou
Uma cúpula tão grande
que chamaram dos reis. O ouro
que sangra dos altares, a pedra ferida
que faz dos rostos mármore.
E no santo dos santos simulada
a coroa vive da madeira, alta
mas não tanto como a distância
das letras que se repetem numa língua
que nunca falaria, que nunca poderia
pronunciar com a vontade do deserto
o amor que converte, que chama.
Palavras enormes, douradas,
redondas, circulares, cúbicas
esmagam o chão e chamam o tecto,
e os entronados, em gestos de espera,
ossos e pele, devorados pelas pedras,
são escassos nas suas parcas celas.
E os outros, a multidão fingida
que ouve nos passos dos outros
aqueles que ousou ter por seus,
amontoa-se num cântico surdo
de mil frases ditas por acaso,
numa conversa sem duplo sentido.
Num canto, prostrada, derrotada,
uma pequena capela que suplica –
tão somente – um silêncio.
Do outro lado do Tibre ainda alguém –
com o sorriso dos palermas –
se lembra dos versos “odeio
o profano vulgo”. E guarda um silêncio
sem o qual tudo se faz ruído.
E as torres sobem, os sinos falam,
os arlequins com ar de guardas sorriem
à madrugada, ao final do dia,
imolados à magia de uma fotografia,
repetível e invariavelmente errada.
E imagino – porque me deram a imaginar –
um homem pobre ou simples ou puro
que recusaria todos os modos,
todos os tempos, todos os deuses.
Que teria tanta pena, tanta paixão
por todo esse estúpido mármore.