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Set18
RICARDO DOMENECK - FINADOS
preocupávamo-nos muito com os mortos
afligíamo-nos com suas opiniões defuntas
era incessante tão importante agradá-los
mesmo sabendo que nos uniríamos a eles
cedo tarde antes cedo do que nunca
com sem floreios imitáveis inimitáveis
havíamos ora aprendido com os mortos
a dar com nós os nossos pontos
como afiar as pedras em facas
mais tarde a separar as sílabas de sílicas
procurávamos entender o que diziam queriam
aqueles homens aquelas mulheres
de outros tempos outras línguas outras religiões
andávamos de um lado a outro perguntando-nos
o que li po diria de nossas angústias abraâmicas?
o que diria maiakóvski de nossas ondas consumistas?
o que rumi diria dos passos em círculo na cozinha?
o que diria pessoa de nossos autorretratos e narcisos?
queríamos agradá-los como se tataravôs distantes
houvessem pagado nossa mensalidade no colégio
ao nosso redor morriam muitos centenas milhares
mas suas opiniões ainda estavam em baixa
no mercado de valores eram natimortos neomortos
há pouco compartilhavam do nosso oxigênio
estes jamais nos importaram muito abra qualquer livro
estudamos falas e atos de esqueletos prontos terminados
levamos nossas flores ao mármore no dia de finados
mas dos vivos não queremos saber neca de pitibiriba