05
Mai19
ROBERTA TOSTES DANIEL - QUIROMANCIA
Finquei o lápis feito estaca
na mão esquerda
escrevi poemas enquanto tomava banho
tentando amparar, em ambos os casos
objetos que caíam.
Um porta-lápis não é menor que um poema
sobretudo se o vidro sobressalente
guardou teus alimentos
(penoso sistema de sobras
industriosa, prossigo)
se ele é amparo ao que te limpa
(dedos molhados dinamizando letras no vapor)
e constituído de uma mesma matéria que não sangra
(faz sangrar, mas não aqui).
Não muito profundo o furo que se fez
reportando às extremidades do corpo
um engenho da dor e um termo da queda
amparadas na epiderme, beira
traduzida em vertigem.
Não muito sábio criar estigmas com grafites
na pele que não é um muro
mas o maior órgão do corpo humano
cobrindo de 1,5 a 2 m²
contribuindo com mais de 15%
ao peso corpóreo total.
Meu espaço, menos de 2 m²
estando no box do banheiro
para tecer a pele de outro órgão
não menos vivo e potente
(cuidadoso, lancinante).
Quem anteciparia a própria dor?
Esculpindo a afiadeira
aguçando lápis, lapiseira
"um objeto cuja função é criar
ou manter uma ponta afiada e funcional"
(na Wikipédia a definição do apontador
é uma proposição da função poética
que pede outro entendimento
da funcionalidade).
Meus dedos turvos no banho
misturam-se à neblina conflagrada
da superfície de água e mormaço:
gosto de tocar o mundo, não a com ponta dos
dedos, mas com o seu sabugo
sou corajosa no desmantelo.
Tiramos hoje todos os tapetes da casa
os dedos dos pés roçam a nudez de um chão
que não sabe mais se mostrar empoeirado -
outros dedos mais aquosos e a palma da mão marcada
sobre a linha do destino
escrevem água com a direita, escrevem dor
ali onde somos todos gauches
se envolvem em operações
em um primado de nomes, de sensações -
(as coisas, por exemplo, cheiro-as
em seu estado de convalescença).
O que é isto, afinal, um poema
(sua pele e seu cheiro)?
Esta quiromancia não explica.