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Dez20
RONALDO CAGIANO - SONDAGENS
Mineral e expectante,
o olhar sonda-me,
punhal bilioso,
escrutinando o inútil
Dentro,
o peito é um cemitério
de impulsos
e uma obesa escuridão
Fora,
o mundo é uma
indústria de escárnios
e horrores
Nesse
mar de desacatos
sou o catalogador de intransigências
Não quero me subalternizar
ao comércio de sensações
em que se transformou
a existência
entre
fetiches fantoches deboches
Se chove,
a hemorragia vertical
não consegue lavar
o aparato insalubre
que contamina o dia-a-dia
Náufrago
nesse mar de obstruções,
minhas pálpebras são gárgulas
hemorrágicas
num edifício em ruínas
A rua em frente
é tão estúpida quanto
o rio nervoso da realidade
que invade nossas casas
O mundo
(e seu comércio de indignidades)
é um carrossel alucinado
de emoções divergentes
como a Justiça, esse navio ébrio
e indigente
Em meio ao escuro
tiranizando a noite,
a lua hesitante e gangrenada
tenta impor sua luz
Resta o vento
traficando más notícias
e as religiões matemáticas
ensinando que dos homens
só conseguimos extrair
a raiz quadrada do ódio.