18
Ago19
RUI ALMEIDA - HOMENAGEM A JACKSON POLLOCK
Se fosse apenas respirar
Já tudo teria ficado dito
E poderíamos subir
Ao cimo da torre de vigia,
No meio da floresta,
Para contemplar a extensão
De toda a terra. Mas o movimento
Dos pés não é o da dança,
É antes o dos dedos de Glenn Gould
Correndo pelas tocatas de Bach
Afora. Um fio de tinta
Acrescenta força ao mundo,
Sobrepõe-se à ânsia
De correr e ao plano estabelecido
Antecipadamente. Mancha
Seca, pedaço de cor
Convertido em eco demorado
Da angústia ou do sexo;
Rumor espesso, quase líquido,
Tinta misturada
Com diluente, cheiro
A oficina de automóveis, óleo
E trapo de desperdício
Amarfanhado no bolso
De atrás. A 'Fantasia
Cromática' desenvolve-se
Nas cordas do cravo,
Na tela estendida no chão,
Espaço, muito espaço disponível
Para agir, fazer
Soar a inteira escala, sair
Para lá do limite. Pinga
Do alto uma sucessão
De gotas, um espirro
De agilidade não premeditada.
A noite e a incerteza
Não dizem o que possa ser
Este lapso, a fuga
Exacerbada pelo fole excitado
Por pés aflitos no uso
Da variação intensiva
Do escorrimento, do alhear
Da vontade distorcida
Pela agitação dos membros,
Caules balançando à toa,
Olhos que acompanham e fazem
Surgir turvas evidências
Na claridade.
(de Higiene, a publicar)