11
Ago20
RUY VENTURA - [JUDAS]
1.
Talvez o tronco reverdeça – ou pelo menos um dos seus ramos –
quando o meu corpo, suspenso, tentar redimir o perdão que me
recuso. Se a derrota era um caminho que não queria pisar
(e por isso senti a desilusão da palavra, nascida dos seus lábios
e dos seus gestos), tenho agora uma vereda sem saída para trilhar.
2.
O pão molhado absorve a solução final, o corte comigo
e com a esperança. Compreendi e cumpri a velocidade
da traição, correndo para o abismo e abrindo a bolsa
à sementes da discórdia. Não aguentei a distância, o tempo
indefinido, a dilação da glória e do poder a que aspirava.
3.
Será possível recuperar esta terra sem força e majestade,
abraçar o inimigo sem ter na mão a lâmina de um punhal
que afaste da vista a presença que nos devasta? A dureza
das palavras prometeu-nos guerra, divisão, combate,
mas em troca recebemos apenas fraqueza e prostração.
4.
Que fica da vontade se abdicarmos da força
e suportarmos a rasteira e todas as afrontas, desviando
o olhar perante o ácido que nos corrói como vermes
sem futuro e sem presente? Neste fel sem antídoto
não pude suportar a cobardia, disfarçada de mansidão.
5.
A necessidade sobrepôs-se ao desejo. Guiou todos
os meus passos, todos os movimentos da minha mão
direita – e até a aproximação do rosto à face tão breve
mente escarnecida. Vendi-me como escravo – e por isso
vivo como sombra ou septicémia, intumescido.
RUY VENTURA in "Rimbaud e outros traidores" (inédito)