08
Mar21
SALVADOR SANTOS - EMBARQUE PARA O DESTERRO
Lá fora acontece a noite, em mim, há muito, acontecida.
As laranjas escurecem no luto dos ramos.
A aranha urde, nos teus olhos, a sua teia obscura. A luz
em mim, há tanto tempo amadurecida.
Agora, são mil anos depois, a madrugada do desterro.
O tempo da insónia. A cabeça a gemer o inverno
como uma casa atada ao vento por arames.
Na janela, a noite arredonda-se e abre-se como uma flor
para mostrar a lua.
Pouso o livro.
A cidade aglomerada nas margens do rio.
A tristeza líquida que se juntava às águas do Guadalquivir.
As galés do exílio como sepulturas.
Em cada pessoa a monção das chuvas.
Os navios, uma frota de corações partidos à superfície das lágrimas.
Sobre o rio, sobre todos os rios, a lua desenha os caminhos do desterro.
Por essa estrada de prata vou, Mutamid, embarcado contigo.