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Nov20
SOFIA SAMPAIO - SETEMBRO EM ANÄSET (2004)
O inverno persegue-me.
Vem como um trenó sem sinos ou renas ou fios
puxando a sombra cada vez mais oblíqua
das coníferas—vultos esguios sisudos que admiro
mas cujos pesados conselhos (de novo Lutero, Calvino)
não sigo.
Faz romper os céus
num frenesim controlado
que é ora granizo, chuva, ou nada—
uma pausa de ar que se espreguiça
numa esteira de musgo
na sombra de um raio de sol esquivo.
O rodopio das folhas amareladas
cede lugar à carga furiosa de vento e água
que faz tremer o telhado
e traz a floresta para dentro de casa.
Cheira a madeira expandida
e a bétula seca queimada
na salamandra da cozinha.
Setembro em Ånäset é um parêntesis verde
no inverno branco do norte
no verão de um sul moreno, agora escurecido,
que hoje sangra cinza e fuligem do bege seco dos troncos
na serra de sombras sem sombra,
na noite de repente cativa do clarão de inferno aceso.
Aqui, no excesso de gelo e água,
compreendo, enfim, o paroxismo do verdadeiro exílio.