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GAZETA DE POESIA INÉDITA

Espaço dedicado à divulgação de poesia original e inédita em língua portuguesa.

GAZETA DE POESIA INÉDITA

23
Out20

ZETHO CUNHA GONÇALVES - EXORCISMO PARA FAZER NASCER UM RIO

 

Sento-me
por detrás da cabeça do rio
− que perscruto.

Sentado,
as pernas longamente estendidas,
bato forte
nove vezes a palma das mãos
sobre a Terra:

                        − perscruto a cabeça do rio,
                        a sua voz mais íntima,
                        nascente.

2.


Sob o zénite,
à passagem do primeiro vento
cruzando o sol
destituído de sombra, e lua
adormecida

                   − pego na linha do horizonte
       a um palmo sacudido
       deste chão,
       onde bato:

nove vezes nove nós
dados rápido a todo o dorso
do horizonte:

a um palmo sacudido
deste chão,
nas minhas mãos:

                 − e anoitece!

3.

Dou nove vezes nove voltas

à cabeça do rio.

Na boca da cabeça do rio
acendo o meu fogo.

Danço nove passos nove vezes
na primeira gota de água.

Sopro nove vezes nove baforadas
o fogo e os ventos.

Bato nove vezes a linha do horizonte
na cabeça do rio.

    − Sento-me.

Sentado,
por detrás da cabeça do rio,
espero:

− a primeira serpente,
o primeiro leopardo.

4.

Pego na primeira serpente
e entrelaço o corpo
nó a nó
nove vezes nove nós
na linha do horizonte,
nó a nó
nove vezes sacudida
a um palmo do chão.

5.

Pego na linha do horizonte
em chamas
pela cabeça da serpente.

Afronto na noite
os olhos do primeiro leopardo.

Toco-lhe na cabeça
− que roda nove vezes
à volta da cabeça do rio.

Sei agora
o Norte magnético
da sua cauda jubilosa.

6.

Bato nove vezes
a linha do horizonte em chamas,
pela cabeça da serpente,
à cabeça do rio.

Enrolo
a linha do horizonte em chamas,
pela cabeça da serpente,
à roda da cintura,
e deito-me.

Deitado,
dou nove voltas
sobre a boca
da cabeça do rio
− que perscruto.

7.

E a água nasce,
inteira e lenta,
correndo, correndo, correndo

− avolumando-se
para um destino de rio
sem morte.

8.

− E o dia
regressa no seu zénite.
ao primeiro sopro de vento,
eu tranço a serpente
e a linha do horizonte
nove vezes à cauda jubilosa
o primeiro leopardo

− seus olhos
nascidos do meu fogo.

9.

Sobre a cabeça do rio
me levanto.

Os olhos do primeiro leopardo
movem
a correnteza destas águas.

A primeira serpente
arrasta o horizonte.

E eu bato forte nove vezes
a palma das mãos no coração da Terra,
por detrás da cabeça do rio.

− E danço
gota a gota nove vezes nove passos
este rio inextinguível

− a fogo e ventos soprado:
da minha boca nove vezes,
à boca da cabeça do rio

− que sobe um pouco para Norte,
dando sua bênção de águas
ao Kwanza

− e desce,
                em crescendo,
                                       para Sul

− rio Cutato,
rio Cutato das Nganguela:

− a infância da Terra as minhas mãos inteiras
sobre a pedra do jacaré:

− ao meio-dia em ponto,
nas quedas de água:
                                − Cutato!

                                                        6.12.2019-9.1.2020




ZETHO CUNHA GONÇALVES
In: Exorcismos para ler em voz alta (no prelo)



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